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Ódio Compreensível


Sempre cresci ouvindo meu pai dizer que o sonho dele era ver o Santos cair com o Pelé vivo. Ao longo dos anos, essa frase se tornou muito famosa para ele, e ele sempre afirmava que, quando o Santos caísse, poderia morrer feliz na mesma hora. Meu pai continua vivo, Pelé morreu, mas o Santos finalmente caiu. Mesmo caindo com o rei do futebol já em outro plano, meu pai ficou feliz. E fazia tempo que eu não via meu pai tão feliz e descontraído como vi no dia 06/12/2023.

Meu pai nasceu em uma época difícil para o corinthiano. Ele nasceu em 1962, e o famoso jejum de títulos do Corinthians estava em curso e não acabaria tão cedo. No ano anterior ao nascimento do meu pai, uma canção da cantora Edith Veiga, intitulada "Faz-me Rir", arrebentava nas rádios e fazia muito sucesso. A música é romântica e muito gostosa de ouvir, mas o que poucos sabem é que muito do sucesso dessa música se deve ao insucesso do Corinthians no campeonato paulista de 1961.

A primeira fase do time foi simplesmente horrível, com dois empates e duas vitórias em onze jogos. Apesar da primeira fase horrorosa, o Timão terminou o campeonato em sexto lugar. Nada mal para um time ruim. Mas já não tinha o que fazer a essa altura e a desgraça já estava feita. A primeira fase havia sido tão pífia que os rivais se utilizaram da canção de Edith para zoar o Corinthians. Um time tão ruim que fazia as pessoas rirem. O nome pegou forte, e os corinthianos não teriam vida fácil dali para frente. Além de tudo isso, o Corinthians vivia um tabu contra o Santos. A última vitória contra o Santos havia sido em 1957. Desse ano em diante, era só paulada, e o Santos de Pelé fazia a festa contra o Corinthians. Era um sofrimento sem fim; um verdadeiro pesadelo para os corinthianos.

Meu pai nasceu em meio a esse clima hostil contra os corinthianos. Meu pai ouvia com frequência de pessoas mais velhas que corinthianos eram iguais a cachorros por causa da natureza um tanto ordinária do pobre animal. Essas pessoas mais velhas, em sua grande maioria santistas, zoavam o meu pai o tempo inteiro, mesmo ele sendo uma criança. Eram outros tempos, mas ele sofria o famoso bullying na época. Em 1974, quando meu pai tinha míseros 12 anos, viu o time favorito do Corinthians perder o campeonato paulista para o Palmeiras. A zueira foi pesada, e meu pai nunca chorou tanto na vida. Os rivais não paravam de zoar e, para variar, muitos santistas não deixavam meu pai em paz.

Mesmo com a quebra do jejum em 1977 e o sucesso do time dali para frente, meu pai nunca deixou de guardar mágoa do Santos. Estamos quase entrando em 2024, e ele segue odiando o time. Ele diz que sempre vai odiar o Santos e que carregará o sentimento com ele até o dia de sua morte. Eu sempre digo para ele que o Santos já não é o mesmo há anos e que nos dias de hoje temos outros rivais para nos preocupar, mas ele simplesmente não liga para isso. Para ele, o eterno rival é o Santos, e tudo de ruim que ele sofreu na infância ele deseja na mesma proporção para o clube e para os torcedores, sendo amigos dele ou não. Olha só a falta que uma terapia faz, hein.​​​​​​​

Mas, apesar dessa carga negativa toda em relação a um clube de futebol, tenho uma coisa positiva para relatar. O rebaixamento do Santos me proporcionou um momento que fazia tempo que eu não tinha com o meu pai: o de assistir a um jogo até tarde no meio da semana. Assistíamos Cruzeiro e Palmeiras - um jogo que já não valia nada - para, na verdade, acompanhar Santos e Fortaleza e Vasco e Bragantino, na esperança de ver o Santos caindo para a série B pela primeira vez na história. Esse momento nos rendeu muitas emoções. Rimos muito, ficamos angustiados, aflitos, decepcionados, felizes; foi um misto grande de sentimentos. Depois de tudo isso, foi confirmado o rebaixamento do Santos, e meu pai ficou feliz igual a uma criança tendo sua vingança. A felicidade do meu pai, naquele momento, me deixou feliz de um jeito que fazia tempo que eu não ficava.
Fonte: Meu Timão
O famoso Corinthians Faz-me rir. Tempos difíceis aqueles...
Um registro de 2001. Nesse dia o Corinthians tinha eliminado o Santos na semifinal do paulista com aquele gol antológico de Ricardinho. A felicidade está nítida na foto e até a Mika, minha saudosa primeira cachorrinha, estava rindo do Santos.
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