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Artigo de fundo: A doença mental começa no instestino


A doença mental começa no intestino

Desde o primeiro dia de existência que somos dependentes daquilo que comemos. A saúde dos seres humanos, boa ou má, resulta de vários fatores, entre eles, as escolhas alimentares. De acordo com o Programa da Alimentação Saudável, da Direção Geral da Saúde, os hábitos alimentares inadequados são o fator que mais contribui para a mortalidade em Portugal. Levando a que 86% das doenças sejam crónicas. Contudo, a não referência a doenças mentais, deixa algumas dúvidas. A alimentação pode ser a causa de uma doença mental?

Texto  Cristiana Marques


Uma matéria complexa sempre que nos debruçamos sobre o corpo humano. São inúmeras as investigações. Todas com o mesmo fim, avanços na saúde. Com a ajuda do Médico Daniel Leal, tentámos desconstruir o tema, para perceber a relação que existe entre intestino-cérebro.

O especialista salienta “não podemos tratar o corpo como um conjunto de peças isoladas. Tudo fala entre si.”. Assim sendo, estamos perante um sistema que comunica de forma bidirecional. A mente afeta o que se passa no corpo. O corpo afeta o que se passa na mente.

Viagem ao intestino

A investigação Impacto da microbiota Intestinal na Saúde Mental (2016), explica-nos que o corpo humano é um ecossistema de células. Um adulto, em média, apresenta 100 triliões de células (1-2 kg). Detalhando, a área mais colonizada do organismo humano é o trato intestinal.  Deste modo, os microrganismos presentes no intestino são 10 vezes mais do que o número de células no corpo.

Microbiota. Chegámos ao cerne da questão. Por microbiota entende-se o conjunto de microrganismos que habitam no intestino humano. Assim sendo, reformulamos a questão inicial: Como é que a nossa microbiota intestinal afeta a saúde mental?

Vértice da Alimentação

“Nós no nosso tempo também comíamos e estamos aqui. Mas nunca estivemos com tanta obesidade, depressão e tantos valores indicadores de saúde tão negativos.” Uma das declarações da nutricionista e investigadora Juliana Morais. Após esta ideia questionamos, a alimentação está-nos a tirar anos de vida?

A psicóloga Raquel Hilário afirma que somos aquilo que comemos. Contudo, também comemos dependendo das circunstâncias em que estamos inseridos. A sociedade está a ser influenciada por contextos e dietas a que está exposta, quer nas redes sociais, como nos filmes, entre outros.

Alimentação ocidental moderna. A nutricionista afirma sem exitar que é um problema. Hoje, a pirâmide de alimentação tem na sua base alimentos processados e refrigerantes, levando a que haja um desequilíbrio do intestino.

Vértice da Saúde Mental

Uma relação a três. Alimentação, intestino e saúde mental. Segundo A Comissão Europeia, a saúde mental e o bem-estar andam de mãos dadas.  Existem inúmeros fatores que podem pôr em causa o bem-estar. Como por exemplo, educação, economia ou até a alimentação.

Em conformidade com  a Pirâmide de Maslow em Pleno Século XXI, entendemos que o ser humano tem várias necessidades básicas, para conseguir viver em pleno. Todavia, não têm todas o mesmo peso. Na base, estão as necessidades fisiológicas. Indispensáveis à sobrevivência. Aqui, encontramos a alimentação.

Quando não temos o devido descanso o ser humano não consegue produzir de forma eficiente. Coloca-se então a questão, a população relaciona as suas incapacidades à alimentação como faz com o descanso? A psicóloga ajudou-nos a olhar para a problemática. Revela-nos que a sociedade não associa a alimentação ao seu rendimento, ou há falta dele. Só há a perceção de um problema quando este se manifesta fisicamente.


Relação Microbiota-Cérebro

Estamos perante um problema, que pode não se manifestar fisicamente. Deste modo, como é que os microrganismos do nosso intestino interferem com o cérebro? São três as possibilidades.

Carga inflamatória

A nutricionista, dá-nos um exemplo simples. Açúcar. Imaginemos que comemos um alimento com uma grande percentagem de açúcar. As bactérias que estão no nosso intestino vão metabolizar açúcares. Estas vão rapidamente para a corrente sanguínea e seguidamente fica um restile no intestino.  Esse restile poderá levar a um estado de inflação. Uma disbiose. Como explica o Médico Daniel Leal, esse estado inflamatório pode levar a repercussões quer a nível cardiovascular, quer do ponto de vista neurológico. As alterações de humor e de energia quando há presença de uma doença é nomeadamente devido a um estado inflamatório.


Produção de neurotransmissores

As bactérias no intestino podem interceder direta e indiretamente na produção de neurotransmissores. Serotonina um neurotransmissor. Conhecido como a hormona da felicidade.  Como se pode ler em A relação entre a Depressão e a Ansiedade e a Microbiota Intestinal, 90% dos níveis de serotonina são produzidos no trato gastrointestinal. Desta forma, quando há um desequilíbrio da flora intestinal a produção destes neurotransmissores pode ser afetada. Podendo levar a desequilíbrios da saúde mental. Se a produção da hormona da felicidade não for produzida, existe um problema.


Barreira intestinal

Por fim, o médico revela-nos que a impermeabilidade do revestimento interno do intestino também pode ter consequências. O interior do intestino é uma camada muito fina de células. Isto ocorre, para que a absorção de alimentos seja o mais eficaz possível. Contudo, a espessura, fina, pode-se tornar numa desvantagem. Quando há um estado inflamatório, o intestino pode tonar-se permeável a toxinas. Em A relação entre a Depressão e a Ansiedade e a Microbiota Intestinal, 50 pacientes com depressão apresentaram níveis elevados de permeabilidade intestinal, ao serem comparados com indivíduos saudáveis.


Laboratório

Apresentadas as três formas de como é que a microbiota pode afetar o cérebro, tendemos a querer perceber como é que se processa na prática. A grande maioria dos trabalhos utiliza e recorre a estudos em roedores. Apesar de começarem a surgir investigações em humanos, torna-se importante observar as descobertas já feitas.

Transferindo a tristeza é um artigo que nos dá a conhecer um estudo feito em ratos. Foram preparados dois grupos. Um com 34 pacientes com depressão. E um grupo de controlo com 33 pacientes saudáveis. Seguidamente, foi realizado um transplante de microbiota fecal do grupo de pacientes depressivos. Numa fase posterior, esse transplante foi transferido oralmente para roedores deficientes em microbiota.

A análise dos ratos indicou que os mesmos demonstravam comportamentos depressivos, como por exemplo, o aumento da ansiedade. Por outro, os ratos do grupo de controlo não apresentaram alterações de comportamento.

Industrialização, Capitalismo e Alimentação

Em conjunto com a Nutricionista Juliana, analisámos os resultados do Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física.

As conclusões não foram animadoras. Os adolescentes perdem na competição da alimentação saudável. São os que mais consomem refrigerantes, bolos e snacks. Contudo, a investigadora fez questão de salientar que nenhuma faixa etária anda muito saudável. Melhor dizendo, as famílias não têm hábitos alimentares saudáveis e consequentemente as camadas jovens seguem o padrão. No entanto, onde está a génese do problema?

No decorrer dos anos deu-se uma industrialização e a alimentação sofreu consequências. “Tudo o que tem ganhos económicos, acaba por ser o elo mais forte.”, palavras de Juliana. Em Psicologia, saúde e nutrição, lê-se que a alimentação atual nos países ocidentais e industrializados, caracteriza-se por ter proteínas, gorduras e açúcar em excesso.

Abandonou-se uma alimentação vinda diretamente da terra. No seu estado puro. Como referiu Sobrinho Simões, médico e investigador na área do cancro “vamos ter as doenças que os políticos quiserem.”.


Reeducação Alimentar

A esperança e uma das soluções apontada por Juliana Morais é a reeducação alimentar. Anteriormente referiu-se que os adolescentes não apresentam padrões alimentares saudáveis, no entanto “os adolescentes comem o que lhes é oferecido. Até podem querer comer mais saudável, mas isso não é oferecido em casa.”.

A aposta recaí no início de vida. Os novos casais serão o gatilho da nova geração. Tudo começa no estádio inicial de vida. No qual se começa a educar, a formar e a criar.  A implementação de critérios saudáveis numa criança, leva a que no futuro seja um adulto mais informado e capaz.

Deste modo, surgem programas para a promoção da literacia em saúde. Nomeadamente o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, que tem como objetivo o melhoramento do estado nutricional da população. 

Mudar Hábitos

Os programas têm um papel determinante no futuro da sociedade. Contudo, o que é que podemos fazer diariamente para promovermos uma microbiota intestinal saudável? Segundo a nutricionista, a nossa alimentação consegue alterar a microbiota em três dias, se alterarmos completamente o padrão alimentar. Posto isto, a dieta é o primeiro passo.

A Dieta Mediterrânica será uma boa aposta. Em concordância com Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, neste modo tradicional de alimentação privilegia-se o consumo abundante de alimentos de origem vegetal. Consumo de produtos frescos e da região, pouco processados e sazonais. Consumo baixo de carnes vermelhas e o consumo de azeite como a principal fonte de gordura.

Em Alimentação, saúde mental e microbiota, um ensaio clínico estudou o efeito da adesão à Dieta Mediterrânica por parte de um grupo de pessoas com depressão moderada a severa, durante 12 semanas. Os resultados foram positivos. Em comparação com o grupo de controlo, os indivíduos com depressão apresentaram melhorias no quadro clínico. Alguns alcançarem mesmo o estado de remissão da doença. Contudo, salientamos que em paralelo com a alimentação houve acampamento psicológico, que nunca deve ser subjugado.

Posto isto, Juliana simplifica. Evitar refrigerantes. Gorduras saturadas. Alimentos muito processados. Preferir vegetais. Frutas. Pão escuro. Massas integrais. Fibras que ajudam no processo de desinflamação e não esquecer da água.


Intestino o segundo cérebro

Começámos a investigação por perguntar: A alimentação poderá ser a causa de uma doença mental? A resposta é, sim. Com o testemunho dos vários especialistas, percebemos que a alimentação não é o único fator que pode disputar um mal-estar na saúde mental. No entanto, a alimentação é dos maiores fatores que influenciam a microbiota intestinal.

A Sociedade Portuguesa da Psiquiatria e Saúde Mental,  mostra-nos que as perturbações mentais e do comportamento representam 11,8 % das doenças em Portugal. Mais do que as doenças oncológicas (10,4%).  Posto isto, o primeiro passo poderá estar nas escolhas alimentares.

O médico Daniel Leal volta a frisar que a dieta é o que a longo prazo vai manter o nosso intestino saudável. Há que ter cuidado com os químicos. Vivemos numa era em que existe uma multitude de químicos que não existiam no passado. E ainda ter em atenção os antibióticos, apesar de que as consequências da alimentação “podem até ser pior do que a dos antibióticos. Porque o antibiótico pode ser tomado durante duas semanas, a alimentação durante anos.”.

Os hábitos alimentares inadequados contribuem para uma redução de 15,4 % dos anos de vida saudável dos portugueses, revelado em Alimentação, saúde mental e microbiota. Assim sendo, a escolha está nas nossas mãos. A microbiota afeta a saúde mental e a doença mental pode começar no intestino.




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