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O LEGADO DE E. ALLAN POE AO GÊNERO “ROMANCE POLICIAL”

O LEGADO DE E. ALLAN POE AO GÊNERO “ROMANCE POLICIAL”
“Há em nós uma presença obscura de Poe, uma
latência de Poe. Todos nós, em algum lugar de nossa pessoa,
somos ele (...). Por isso sua obra (...) é tão profundamente
temporal a ponto de viver num contínuo presente, tanto nas
vitrinas das livrarias como nas imagens dos pesadelos, na
maldade humana e também na busca de certos ideais e de
certos sonhos”. CORTÁZAR, 2008, p. 104
.
Índice
- INTRODUÇÃO
- E. A. POE: QUEM FOI
- O QUE É O GÊNERO POLICIAL
- E. A. POE – OS CRIMES DA RUA MORGUE
- LEGATÁRIOS: RUBEM FONSECA E O CASO MOREL
- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Introdução
É sabido, por muitos, as condições do gênero popularizado hoje
como “policial” – que surgiu como romance de enigma –, bem como os maiores
personagens e as mais famosas narrativas que o marcaram. Todos já leram,
ouviram ou assistiram alguma história de cunho policial.
Dessa forma, fica difícil imaginar a proporção que citado gênero
alcançou nos últimos 178 anos, partindo do ilustre e inovador conto de Edgar
Allan Poe, Os Crimes da Rua Morgue, publicado em abril de 1841.
Desde então foram livros, sagas, filmes e seriados baseados nas
características do gênero e que atingiram todo o mundo. Para listá-las, seriam
páginas e páginas dissertativas sobre as inúmeras obras; contudo foquemos –
como instrui o nome da disciplina – na influência que tal literatura estrangeira
trouxe à literatura nacional. E um autor que se destaca neste gênero no campo
da literatura brasileira é Rubem Fonseca, de Juiz de Fora (1925 – 94 anos),
que possui grandes obras do gênero como O Caso Morel (1973), Bufo e
Spallanzani (1986), Agosto (1990), O buraco na parede (1995), Calibre 22
(2017) entre outras. Algumas de suas obras do gênero envolvem o detetive
Paulo Mendes Mandrake, que inspirou, em 2005, a série de mesmo nome
produzida pela HBO Brasil e tendo como um dos diretores o próprio filho de
Rubem Fonseca, José Henrique Fonseca.
E antes de falarmos dele em especial, teremos um breve engajamento
de quem foi Poe, como constitui o gênero policial, como foi o conto de Poe que
inaugurou o gênero e, por fim, um de seus maiores sucessores no Brasil.

E. A. Poe: quem foi
Edgar Allan Poe foi um escritor nomeado e aclamado por muitos
outros autores, críticos e leitores de todo o mundo. Seu estilo, seus
personagens e a atmosfera de suas histórias refletem inegavelmente sua vida
em seus curtos 40 anos de vida. Órfão e separado de sua irmã antes dos três
anos de idade, Poe foi adotado pela família Allan ainda criança, onde da mãe
recebeu afago, mas, do pai, fortes cobranças e castigos físicos.
Apesar de sempre possuir inteligência para cálculos e especulações
científicas, Poe não tardou a dedicar-se aos livros, principalmente à poesia, em
que demonstrava uma aptidão brilhante. Contudo, não se prestou apenas ao
lirismo. Seus contos são, incontestavelmente, importantes e reconhecidos.
Inclusive, é sabido que Poe é considerado o “pai do conto policial”.
A poesia de Poe, bem como seus escritos de modo geral, aborda uma
temática peculiar. Elas são caracterizadas por retratarem a degradação do
homem, a falta de esperança e perspectiva, desespero e até mesmo a
alienação. Segundo Baudelaire (2000, pg. 36) as obras de Poe “aparecem
magnífica, constelada, e sempre velada de uma irremediável melancolia”. Nas
palavras de Lúcia Santaella, “E. A. Poe foi, antes de tudo, uma constelação
lançando diferenciados raios para o futuro”. Ela afirma que “é impossível
pensar no boom da prosa ficcional dita “fantástica” sem pensar em E. A. Poe”.
Sua marca foi – e é – tão significativa à literatura que é impossível ver alguma
obra com esses traços sem recordar-se dele.
Nesse contexto, percebemos que mesmo após décadas de sua morte,
Poe é citado por muitos estudiosos, leitores e escritos – explicita e
implicitamente. Não há como descrever o legado de Edgar Allan Poe de forma
sucinta; menos ainda resumir em poucas páginas seus legatários. Contudo,
foquemos então no gênero policial e suas ramificações.

O que é o gênero policial?
Criado no século XIX por, ao que se registra, Edgar Allan Poe, o
gênero possui uma narrativa curta, sem acontecimentos secundários ou
recordações, tornando-se assim uma história de uma única célula dramática
com uma narrativa cuja linha temporal é cronológica, possuindo início, meio e
fim.
A linguagem é simples, embora formal, e há grande riqueza na descrição
do crime, bem como na forma como o personagem o resolverá. É interessante
ressaltar que, em muito dos casos desse gênero, o “detetive” não pertence de
fato à patente, e sim representa um cidadão comum que tem como hobby
observar e analisar os acontecimentos. Como descreveu
Sandra Reimão (1983, p. 16 apud Lacassin, 1974): “o detetive amador, o
homem que coleciona enigmas como os outros colecionam objetos”.
Outra curiosa observação é que, nesta narrativa, não se atribui valor à
vítima; ela é apenas a “matéria prima” para a obra, sendo muitas vezes
mencionada apenas depois do acidente, sem aprofundar-se em sua vida, seus
gostos e quem de fato ela é.
De modo geral, esse gênero focaliza em um crime misterioso em que a
polícia não obtém sucesso em solucioná-lo, mas que através de
surpreendentes deduções, o personagem detetive – muitas vezes não-narrador
– consegue solucionar e encontrar as respostas para todas as perguntas. Bem
observado, esse gênero apresenta “uma investigação de um crime, como um
desafio intelectual, por parte de um detetive e, por extensão, do leitor”
(Gregório Dantas, 2016, pg. 149).
Sobretudo, ao contrário da ficção propriamente dita, os crimes são
ocasionados por causas “naturais”, denotativas. Mas isso não é motivo para
não causarem medo ao leitor. Inclusive, muitos críticos consideram tal gênero
“fraco” por se preocupar exclusivamente em conduzir o leitor ao medo, sendo
insuficientes elementos básicos de uma “boa narrativa”.
Mesmo assim, o gênero não deixa de estar presente em livrarias,
cabeceiras e mentes de milhões de leitores por todo o mundo. Gregório Dantas
afirma que “a narrativa policial é uma das formas mais bem-acabadas e mais
perenes da cultura de massa” (2016). W. H. Auden (apud Gregório Dantas,
2016), por exemplo, ressalta que as histórias de cunho policial são “um vício
semelhante ao tabaco e ao álcool”. Em quase 40 anos, já foram publicadas dez
milhões de romances policiais por tudo mundo. Existem estudos que buscam
uma resposta para tanta procura do gênero, e de acordo com Ernest Mandel
(1988 apud Murilo dos Reis, 2018, pg. 25-26) são três as razões para tal.
A primeira delas é de que a "massificação do romance policial se deu
com a revolução do livro de capa mole". Esse tipo de impressão desencadeou
as edições de bolso, o que multiplicou significativamente a população de
leitores – e grande parte dessa impressão é dada ao romance policial.
A segunda seria um fato curioso. Para ele (Mandel, 1988), ler sobre a
violência e suas vertentes são uma maneira "simples e inocente" de ter prazer
com ela, alcançando por meio desse tipo de leitura o deleite de algo que,
secretamente, deseja fazer, mas que nunca o fará.
Já a terceira razão seria o peso que a Globalização trouxe à sociedade –
as metrópoles, as fábricas e indústrias, a distância entre casa e trabalho, tudo
isso "criou uma imensa necessidade de distração. E essa necessidade é
suprida, nas camadas mais alfabetizadas da população, com romances
policiais" (REIS, 2018, pg. 26).
Porém, no século XX, o gênero sofreu alterações significativas.
Chamado de noir (ou hard boiled, romance negro, romance americano) foi
criado por Dashiell Hammett (1894-1961) e trouxe uma proposta diferente, até
mesmo antagônica, ao gênero policial clássico. Tais propostas também
refletem a sociedade burguesa (clássica) e a sociedade corrupta e brutal (noir)
da época.
Esse contexto interfere, também, no próprio detetive da história que, ora
era puro e incorruptível, passou a ser hostil, imoral, rude e interesseiro. Nesta
vertente, é abandonada ao detetive características como o otimismo, o
compromisso social, a moralidade e acima de tudo a figura de um detetive
racional, bom, justo e invencível. Também conseguimos enxergar certa crítica e
engajamentos à sociedade, moral e política de suas respectivas épocas.
Outra característica diferenciada é que, nesta vertente, é o leitor quem
deduz parte da trama, tirando suas próprias conclusões do mistério e seu
desfecho. Tal tarefa, não sendo fácil, acabou distanciando o leitor do
comodismo que estava acostumado. Como ressalta Alves (2010, pg. 278):
“(...) essa tarefa é complexa, tendo em vista que, na maioria
das vezes, este leitor, acostumado a uma “palavra final” do
detetive clássico, no momento em que passa a acompanhar
lado a lado os tropeços e enganos deste detetive noir, se vê
exercendo um papel, não mais de puro espectador do quebra-
cabeça dedutivo, mas de companheiro ativo na co-construçãoo
de significado”.
Tanto o clássico como o noir atraiu grande público leitor para si e, logo,
grandes histórias à nossa literatura e mesmo à televisão. E tudo isso graças às
visões e ideias de E. A. Poe. É claro que nem mesmo ele poderia imaginar à
proporção que seu conto teve. Mas como era, de fato, o primeiro conto do
gênero, denominado Os Crimes da Rua Morgue?

E. A. Poe – Os Crimes da Rua Morgue
Os Crimes da Rua Morgue foi o primeiro conto policial de Edgar Allan
Poe, publicado em 1841. O enredo apresenta o – até então – assassinato de
Madame e Mademoiselle L’Espanaye em uma cidade francesa. O crime, que
fora anunciado pelos jornais locais, é um mistério. Ninguém sabe o que poderia
ter provocado um acidente a pessoas que mal saiam e mal socializavam;
menos ainda um assassinato tão feroz e cruel. As testemunhas de nada
ajudaram a polícia, cada uma contribuiu com um depoimento diferente. A casa,
sem marcas de arrombamento e sem sinais de roubo. Apenas o assassinato.
No outro lado da história temos C. August Dupin e seu amigo misterioso,
que vem a ser nosso narrador. A dupla se conhecera na cidade, e
demonstrando grandes compatibilidades, começaram a viver juntos em uma
casa afastada de maneira bastante incomum:
“Se a rotina da vida que ali levávamos fosse conhecida do
mundo, teríamos sido considerados loucos – ou, talvez, loucos
inofensivos. Nossa reclusão era total. Não recebíamos visita alguma.
Na verdade, o lugar de nosso retiro foi mantido cuidadosamente em
segredo, até para os meus antigos camaradas, e fazia muito tempo
que Dupin deixara de procurar os outros ou de ser procurado em
Paris. Vivíamos só para nós” (pag. 115-116).
Embora, neste gênero, “um personagem é apelas delineado, pois o que
interessa é seu raciocínio” (Alves, 2010, pg. 276) o narrador descreve
brevemente Dupin como um homem analítico, observador, paciente e
excêntrico. Seu destaque é seu raciocínio e a maneira como chega a uma
conclusão. Ainda assim, não há detalhes da vida de Dupin antes de conhecer o
narrador (nem mesmo sabemos quem é o narrador), ou qualquer intimidade,
sentimentalismo e semelhantes. Dupin está na história para solucionar o
mistério e, o narrador, para contá-los a nós.
Dupin e o narrador se envolvem por conta própria, analisando o material
(as pistas e depoimentos das testemunhas) que era publicado nos jornais. Com
muita observação e certa facilidade, Dupin chega a uma conclusão concisa do
que havia acontecido.
De fato, muitos personagens, como os agentes da polícia, consideraram
anormais as deduções certeiras de Dupin. Como ele conseguira descobrir
sozinho que um gorila, feroz e violento, havia matado mãe e filha? O narrador
esclarece em toda a narrativa as linhas de pensamentos do detetive,
mostrando ser nada mais que uma atenção minuciosa do personagem para
com cenários que por muitos foram ignorados. Um exemplo disso, temos a
seguinte passagem na história, em que Dupin descobre sozinho por onde os
assassinos fugiram da cena do crime:
“A polícia pôs a descoberto as portas, o teto e a alvenaria das
paredes. Nenhuma saída secreta poderia ter escapado à sua
vigilância. Mas, não confiando em seus olhos, eu os examinei
pessoalmente. (...) A impossibilidade de saída, pelos meios já
referidos, é absoluta. Assim sendo, não nos restam senão as janelas.
Pelas da frente, ninguém poderia ter fugido sem chamar a atenção da
multidão que se encontrava na rua. Os assassinos devem ter
passado, pois, pela janela do quarto dos fundos. Levados, então, por
essas deduções a uma conclusão tão inequívoca, não nos cabe,
como analistas, rejeitá-las, devido às impossibilidades aparentes. Não
nos resta senão provar que tais ‘impossibilidades’ aparentes não o
são na realidade (...)” (pag. 134-135).
Dupin consegue deduzir a partir de um exame minucioso que os
assassinos fugiram sim pela janela, coisa que a polícia descartou de primeiro
momento.
Essa atenção o leva a desvendar o crime usufruindo de recursos que
outro detetive jamais usara: o raciocínio completamente lógico, enxergando
através dos detalhes. Essa característica é crucial ao gênero policial, e é o que
motivou tantos autores a compor obras semelhantes; a solução de um crime
banal usando totalmente o raciocínio excepcional, detalhista e observador.
O fim da obra se vem com a solução concreta do crime, deixando de
fora qualquer dúvida e questionamento ao leitor. Todos os fatos são
solucionados em meio a uma narrativa envolvente, agradável, misteriosa – até
amedrontadora – em que o leitor acompanha os caminhos lógicos do detetive
junto a ele, e, logo, atribui admiração ao personagem assim como seu amigo
narrador.

Legatários:
Rubem Fonseca – O Caso Morel
No Brasil, o primeiro romance do gênero policial foi publicado em
1920 por meio de boletins, com autoria de Afrânio Peixoto, Viriato Correia,
Coelho Neto e Medeiros e Albuquerque que, cujo nome era “O Mistério”. Tal
gênero foi inaugurado no Brasil com certo cunho crítico ao raciocínio
excepcionalmente logico imposto por Allan Poe; visto que, na primeira obra
citada, todos estão cientes do culpado, exceto o próprio detetive – Major Mello
Bandeira, “um Sherlock Holmes às avessas” (Alves, 2010, pg. 280).
Assim sendo e, anos mais tarde, surgiu no meio literário o autor que se
destacou no gênero aqui no país. Seu nome é Rubem Fonseca e, analisando
suas obras, é clara a presença do romance policial na maioria delas. O crime,
as vítimas, o mistério e o personagem a desvendá-los estão presentes em suas
histórias. Neste trabalho, vamos relembrar e analisar uma das grandes obras
de Rubem Fonseca: O Caso Morel, publicado em 1973.
Nesta obra, a narrativa começa com o assassinado executado e o
primeiro suspeito preso à espera de julgamento. Morel está na cadeia por ser
acusado de matar, de forma brutal e cruel, uma de suas amantes, Heloísa.
Como um tipo de desabafo, o suspeito escreve um livro em formato
autobiográfico onde conta seus últimos meses, como conhecera Heloísa e
como formara a “Família Morel”.
De primeiro momento, conhecemos também o personagem Matos,
delegado do caso e que prendera Morel, e, também, o homem que lê a
autobiografia: Vilela, ex-policial e atualmente escritor, que vem a ser o detetive
da trama, buscando inocentar Morel e que, entretanto, não obtém sucesso.
No livro, Paul dá nomes fictícios as pessoas, como Heloísa sendo
Joana, Lilian sendo Carmem, Ismênia, Aracy e Marta se transforma em Elisa. É
partindo dessa autobiografia que Vilela vai em busca de novas pistas e novos
depoimentos, mas não fica claro, nem mesmo por Paul, o que é verdade e o
que é mentira no livro. Essa mistura de ficção-realidade (pelo uso dos nomes
fictícios, por exemplo) nos faz questionar se ele é ou não verídico, embora ele
negue em todos os momentos que matara o amor de sua vida.
De fato, Vilela consegue algumas observações que a polícia não
alcançara quando conversa com Lilian e Aracy ou quando vai até o local do
crime, mas mesmo com tais informações o “detetive”, pouco astuto, não
descobre o fim certo da vida de Heloísa. A história discorre entre os detalhes
do passado de Paul e a busca de vilela, no presente, pela verdade.
Existem vários estudos sobre o autor e o modo de como escreve seus
romances e contos. Uma de suas características de destaque é a
violência/brutalidade como retrata os acontecimentos em suas narrativas.
Alfredo Bosi (2009 apud Reis 2018, pg. 29) classifica a literatura de Rubem
como "brutalista (...) com uma dicção rápida e compulsiva". Tal característica é
tão notável que o autor já foi mencionado por ferir a moral e os bons costumes
apresentando narrativas repletas de crimes sangrentos, tragédias e até mesmo
com teor pornográfico. Até a linguagem da obra carrega palavras de baixo
calão, o que só chama mais e mais a atenção para o autor.
Mas a verdade é que, em suas obras, o que deveria ser de fato
destacado é a forma como Fonseca expõe a perspectiva do criminoso em si.
Essa "variação dos pontos de vista sobre os fatos violentos leva o leitor a
suspeitar de verdades estabelecidas" (Reis, 2018, pg.30). Diferente dos
clássicos, Rubem nos trouxe o ponto de vista do criminoso, como vemos em O
Caso Morel, onde Paul é um dos dois narradores.
E como vimos anteriormente, a literatura reflete diretamente o contexto
social inserido. Rubem não fez diferente. Em seu caso, a violência em suas
obras se manifesta pela modernização da urbe brasileira. Inclusive, Rubem
apresenta seus crimes violentos exclusivamente em ambientes urbanos.
Segundo Reis (2018, pg. 32) uma característica que surgiu a partir dessa
modernização seriam os "valores humanos diluídos, crimes generalizados e
detetives falíveis".
A precisão ao apresentar as cenas do crime também caracteriza as
obras do autor como pertencentes ao gênero policial. Para Tânia Pellegrini
(1999, apud Reid 208, pg. 34) essa habilidade fonsequiana em representar os
detalhes é imprescindível para compor a imagem e
"enfatizo que, no gênero, o espaço se organiza de
acordo com o modelo de representação realista no qual os
pormenores são acentuados na montagem com conjunto que
não pode ter a verossimilhança questionada".
Em O caso Morel, Rubem deixa essa dúvida no leitor. Paulo Morel
matou ou não Heloisa? Essa questão levanta uma característica acentuada do
policial moderno em que o detetive nem sempre soluciona majestosamente o
crime a sua frente. Nesta vertente (noir) não há verdade absoluta para o crime
ou uma inquestionável interpretação dos fatos.
Observamos também que em tal universo fonsequiano, além das já
citadas características, o detetive não é grandioso como apresentou Edgar
Allan Poe. Muitas vezes, até mesmo o culpado é mais astuto que o detetive.
Ou seja, a principal característica do pioneiro no gênero é quebrada,
aqui no Brasil, séculos depois por Rubem Fonseca. Esse desmembramento do
gênero é que de fato aconteceu não só na literatura, mas como no cinema
também. Vemos, hoje, todo e qualquer tipo de aventura policial: detetives
astutos e atrapalhados, criminosos gloriosos e anti-heróis, vítimas de todos os
tipos e desfechos que surpreendem ou não quem o lê/assiste. É um gênero em
que permite múltiplas leituras e entendimentos.
Há quem diga que tal gênero é considerado “morto”, pois depois de ligo
não se volta a ele. Mas o que gera esse retorno? Os questionamentos
dispersos no leitor e a sede em saciá-los. E isso é o que de fato Rubem
Fonseca propõe ao seu leitor por meio de variados significados, pontos de
vistas e verdades – e não uma verdade absoluta. Sendo assim, o leitor voltará
a ele e receberá em troca sempre algo novo.

Referências Bibliográficas
ALVES, Rebeca. A LITERATURA POLICIAL NA CONTEMPORANEIDADE.
Miscelânea: Revista de Literatura e Vida Social, v. 8, p. 273-290 (2017).
BORGES, Jorge Luis. JORGE LUIS BORGES: CINCO VISÕES PESSOAIS.
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DA SILVA, Michel Goulart. EDGAR ALLAN POE E A MODERNIDADE. Revista
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DAGHLIAN, Carlos. A RECEPÇÃO DE POE NA LITERATURA BRASILEIRA.
Fragmentos: Revista de Língua e Literatura Estrangeira, v. 25 (2003).
DANTAS, Gregório Foganholi. A HISTÓRIA OCULTA: COINSIDERAÇÕES
SOBRE A NARRATIVA POLICIAL. Revista Língua&Literatura, v. 18, n. 32, p.
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FONSECA, Rubem. O CASO MOREL. Editora Record (1995).
POE, Edgar Allan. POE: HISTORIAS EXTRAORDINÁRIAS. Editora Nova
Cultura LTDA/Círculo do Livro (1993).
REIS, Murilo Eduardo dos. CARACTERIZAÇÃO DO ROMANCE POLICIAL EM
RUBEM FONSECA. Unesp, Araraquara – São Paulo (2018).
O LEGADO DE E. ALLAN POE AO GÊNERO “ROMANCE POLICIAL”
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