O fim está próximo: Anúncio apocalíptico de boas novas
Como superar o mecanismo que torna a exploração do homem pelo homem possível? Como fomentar a tomada de consciência para a construção de uma sociabilidade reformulada por e para o proletariado a partir da performance como ato de presença?
A grande variedade de ilusões e fetiches disponíveis como mercadorias estão aí para que se desvie do facto de que todas as relações sociais são permeadas pela lógica hegemônica capitalista para reprodução e manutenção da mesma. A liberdade de escolha oferecida ao público é a de vender a sua força de trabalho para os que têm a disponibilidade e/ou interesse de explorá-la e a especial oportunidade de ser posicionado em um ou mais nichos de consumo, onde também o trabalhador/consumidor se torna uma mercadoria – onde quer que se vá vende-se e valoriza-se a própria imagem, uma conversa rende ou não, economiza-se tempo, produz-se arte – e até comunica-se acerca das relações sociais como mercadoria, a materializar uma cultura de controle de massas a partir das relações de consumo.
"O próprio artista nada mais é do que o catalisador ou ponto de partida de um processo complexo. (...) Assim, o processo organizacional do qual o esforço depende é um componente integrante da própria obra de arte, que resulta da interação de algum número de forças ."
Andreas Hapkemeyer (1999)
Jochen Gerz – Res Publica: the public works 1968–1999 (pp. 22-28).
Entende-se o pensar a partir de relações sociais e o que se pensa como uma resultante reflexiva das relações sociais em que se está inserido. Com intenção de instigar uma reflexão sobre as dinâmicas de consumo presentes na sociedade capitalista (...) foi realizada uma intervenção performática ao longo da rua de Santa Catarina, maior referência de rua comercial da cidade do Porto, onde o performer assumiu um papel semelhante ao dos fundamentalistas religiosos, que saem às ruas a bradar a iminência do fim do mundo, mas, de outra forma, a transportar e a comunicar um anúncio apocalíptico de boas novas.
Buscando uma reconciliação com o pensamento crítico como ferramenta de libertação social e cultural, a fim de transcender à mera reprodução de existências em favor de uma produção de modos de vida autênticos, pretendeu-se transportar uma reflexão negativa em relação à sociedade hegemónica vigente, a partir do desenvolvimento de uma mercadoria em que o objeto de consumo é o anticapitalismo, uma dialética de negação da negação. O que se nega é ao espetáculo, onde as imagens que mediam as relações sociais são uma distorção da realidade em benefício da dominação.
(...)
Em complemento à performance, a fiar-se numa renovação perceptiva e a pensar numa participação colaborativa dos espectadores como um movimento de diálogo para desenhar uma construção social coletiva, foi elaborado o Molotov Sticker, um autocolante contendo a ilustração de um coquetel molotov, inspirado na estética da Pop Art, a utilizar cores vivas e um elemento da cultura de consumo (garrafa icónica da Coca Cola). Em uma reprodução de resistência gráfica, os Molotov Stickers têm a proposta de convidar as pessoas ao enfrentamento da dominação sistêmica, ao disputar e intervir no espaço público com uma agressão simbólica desde a aplicação do autocolante onde quer que residam as suas inquietações perante o capitalismo.
A reprodução de meras existências paralisa o desejo de mudança através do desenvolvimento e manutenção de um obstáculo cultural e psicológico alienante, que impede o espectador de perceber e lutar por sua realidade material, e são nesses âmbitos que a arte da performance efetua a sua disputa discursiva e imagética, na decodificação da realidade por meio de um ato de presença, de interação, de colaboração e de assimilação, a desenhar novas perspectivas sociais.
Performer: Felipe Vaz Luza
Photos: Jhonny Rezende
Drone video: Luis Novaes